Trecho garantido no Critica na Rede.
Adorei essa explicação feita por Dennis Dutton, sobre a arte.
(P.S: Texto imenso. MAIS IMENSO no link acima. Mas valeu a pena.)
"Pode-se reduzir os aspectos característicos encontrados transculturalmente nas artes a uma lista de itens nucleares, doze na versão apresentada em seguida, a que chamo critérios de reconhecimento. Alguns dos itens destacam aspectos de obras de arte, outros destacam qualidades da experiência da arte. Outros teorizadores propuseram listas semelhantes no propósito, embora não idênticas no conteúdo. Nestas se incluem listas publicadas em 1975 por E. J. Bond, Richard L. Anderson (1979 e repetidamente revista desde então), H. Gene Blocker (1993), Julius Moravcsik (1992), e Berys Gaut (2000).2 Publiquei duas predecessoras da presente lista (2000 e 2001).3 A minha lista presta-se portanto à correcção por meio do esclarecimento, permutação de itens, ampliação, ou redução. Os itens que nela constam não são escolhidos para satisfazer um propósito teórico preconcebido; pelo contrário, a finalidade destes critérios é proporcionar uma base neutra à especulação teórica. Pode-se descrever a lista como inclusiva no modo como refere as artes em várias culturas e épocas históricas, mas não é por essa razão um compromisso entre posições adversárias que se excluem mutuamente. Reflecte um domínio vasto de experiência humana que as pessoas identificam sem dificuldade como artística. David Novitz observou que “as formulações precisas e as definições rigorosas” pouco ajudam a captar o significado da arte transculturalmente.4 Não obstante, só porque, como afirma Novitz, não há “um só modo” de ser uma obra de arte, não se segue que os “muitos modos” contrários sejam tão irremediavelmente numerosos a ponto de não se poder especificá-los, mesmo que o domínio a que se referem seja tão irregular e multifacetado como o da arte. Na verdade, serem especificáveis, por mais que sejam abertos à discussão, é exigido pela própria existência de uma bibliografia sobre estética transcultural.
Uma lembrança de que, dada a existência de inumeráveis casos marginais, por “arte” e “artes” refiro-me a artefactos (esculturas, pinturas, e objectos decorados, tais como ferramentas ou o corpo humano, e partituras e textos considerados como objectos) e execuções (danças, música, e a composição e recitação de histórias). Quando falamos acerca de arte, concentramo-nos por vezes em actos de criação, por vezes nos objectos criados, noutras ocasiões referimo-nos mais à experiência que se tem destes objectos. Formular estas distinções é uma tarefa distinta. A lista consiste portanto nas características indicadoras da arte considerada como uma categoria universal, transcultural. Com isto não afirmo que qualquer item na minha lista pertence exclusivamente à arte ou à experiência que dela temos. Muitos destes aspectos da arte estão em continuidade com experiências e aptidões não artísticas; relembramos isto aqui entre parêntesis, na conclusão de cada entrada.
1º Prazer directo. O objecto artístico — narrativa, história, artefacto feito à mão, ou execução visual e auditiva — é valorizado em si como fonte de prazer experiencial imediato, e não primariamente pela sua utilidade na produção de outra coisa que é ou útil ou aprazível. Esta qualidade do prazer da beleza, ou “prazer estético”, como é tão frequentemente designado, resulta, sob consideração, de fontes muito diferentes. Uma cor pura, intensamente saturada, pode ser aprazível à vista; compreender a detalhada coerência de uma história intricadamente construída pode dar prazer (semelhante ao prazer de um quebra-cabeças de palavras cruzadas perspicaz ou um problema de xadrez bem formado); a composição de uma pintura paisagística pode dar prazer, mas também as montanhas distantes, brumosas e azuladas que ela representa nos podem causar prazer independentemente da forma e da técnica; as modulações harmónicas surpreendentes e a aceleração rítmica podem dar prazer na música, e por aí em diante. Aqui é da maior importância o facto de a fruição da beleza artística não raro resultar de prazeres multifacetados mas distinguíveis, de que se tem experiência ou em simultâneo ou em estreita proximidade entre si. Estas experiências estratificadas podem ser maximamente eficazes quando prazeres distinguíveis se relacionam coerentemente entre si, ou interagem — como, de um modo aproximado, na forma estrutural, cores, e tema de uma pintura, ou na música, drama, canto, execução dirigida, e cenários de uma ópera. Esta ideia é a conhecida unidade orgânica das obras de arte, a sua “unidade na diversidade”. Diz-se frequentemente que tal fruição estética tem “fim em si mesma”. (Chama-se “prazer estético” a este prazer quando resulta da experiência da arte, mas é bem conhecida em muitas outras áreas da vida, com o prazer do desporto e do jogo, de tomar uma bebida fresca num dia de calor, ou de observar as cotovias planando ou nuvens de tempestade tornam-se mais espessas. Os seres humanos têm experiência de uma lista indefinidamente longa de prazeres directos não artísticos, experiências fruídas em função de nada além de si próprias. Quaisquer prazeres semelhantes podem, como os que estão notoriamente associados ao sexo, ou a alimentos doces e ricos em gorduras, ter causas antigas evoluídas de que não estamos cientes na experiência imediata.)
2º Aptidão ou virtuosismo. Fazer o objecto ou executar algo exige e demonstra o exercício de aptidões especializadas. Em algumas sociedades estas aptidões são adquiridas numa tradição de aprendizagem, noutras quem quer que considere “ter queda” para elas as pode aprender. Onde uma aptidão é adquirida por praticamente todos os membros da cultura, como sucede com o canto ou dança colectivos em algumas tribos, tenderá ainda a haver indivíduos que se destacam em virtude de um talento ou mestria especial. As aptidões técnicas artísticas são objecto de atenção nas sociedades de pequena escala bem como nas civilizações desenvolvidas, e onde são objecto de atenção são universalmente admiradas. O admirar a aptidão não é apenas intelectual; a aptidão exercida pelos escritores, talhadores, dançarinos, oleiros, compositores, pintores, pianistas, etc., pode deixar queixos descaídos, arrepiar cabelos na nuca e encher os olhos de lágrimas. A demonstração de perícia é um dos aspectos da arte mais profundamente comoventes e aprazíveis. (A elevada aptidão é uma fonte de prazer e admiração em todas as áreas da acção humana além da arte, hoje talvez especialmente nos desportos. Quase todas as actividades humanas organizadas se podem tornar competitivas de modo a sublinhar o desenvolvimento e admiração do seu aspecto técnico, pericial. O Guiness Book of Records está cheio de “campeões mundiais” das actividades mais mundanas e extravagantes; isto atesta um impulso universal para tornar quase tudo o que os seres humanos conseguem fazer numa actividade admirada tanto pelo seu virtuosismo como pela sua capacidade produtiva.
3º Estilo. Os objectos e execuções em todas as formas de arte são feitos em estilos reconhecíveis, segundo regras de forma, composição, ou expressão. O estilo proporciona um pano de fundo estável, previsível, “normal”, contra o qual os artistas podem criar elementos de novidade e surpresa expressiva. Um estilo pode derivar de uma cultura, uma família, ou ser a invenção de um indivíduo; as mudanças nos estilos envolvem o tomar de empréstimo e a alteração súbita, bem como a evolução lenta. A rigidez ou adaptabilidade fluida dos estilos podem variar tanto nas culturas não ocidentais e tribais como nas histórias das civilizações que têm escrita; por exemplo, alguns objectos e execuções sagrados são estritamente circunscritos pela tradição (como nos estilos mais antigos da olaria Pueblo), sendo outros abertos à variação interpretativa individualista e criativa (como em grande parte do Norte da Nova Guiné). Pouquíssimas são as artes históricas que não permitem qualquer afastamento criativo do estilo estabelecido. Na verdade, se nenhuma variação fosse permitida, o estatuto de uma actividade estilizada seria posto em causa como arte; isto não se aplica apenas às tradições europeias. Muitos autores, em particular nas ciências sociais, trataram o estilo como uma prisão metafórica dos artistas, determinando limites de forma e conteúdo. Os estilos, todavia, ao proporcionarem aos artistas e aos seus públicos um pano de fundo familiar, permitem o exercício da liberdade artística, libertando tanto quanto restringem. Os estilos podem oprimir os artistas; mais frequentemente, libertam-nos. (Quase toda a actividade humana importante acima dos reflexos involuntários é realizada num enquadramento estilístico: os gestos, o uso da linguagem, e as cortesias sociais, como as normas do riso ou da distância corporal em encontros pessoais. O estilo e a cultura são praticamente coincidentes.)
4º Novidade e criatividade. A arte é valorizada e elogiada pela sua novidade, criatividade, originalidade, e capacidade de surpreender o seu público. A criatividade inclui a função que a arte tem de captar a atenção (uma componente importante do seu valor de entretenimento) e a talvez menos surpreendente capacidade que o artista tem de explorar as possibilidades mais profundas de um meio ou tema. Embora tais géneros de criatividade se sobreponham, A Sagração da Primavera de Stravinsky é criativa sobretudo no primeiro sentido, Orgulho e Preconceito de Jane Austen é criativo no segundo. A imprevisibilidade da arte criativa, a sua novidade, joga contra a previsibilidade do estilo convencional ou do tipo formal (sonata, romance, tragédia, etc.). A criatividade e a novidade são o locus da individualidade ou do génio na arte, referindo-se àquele aspecto da arte que não é regido por regras. O talento imaginativo é classificado na arte segundo a sua capacidade para exibir criatividade. (A criatividade é exigida e admirada em inúmeras outras áreas da vida além da arte. Admiramos soluções criativas para problemas de medicina dentária e canalização bem como nas artes. A procura persistente da criatividade mostra-se na relutância que os autores cuidadosos têm em usar a mesma palavra pela segunda vez numa frase quando dispõem de sinónimas; o dicionário de sinónimos não existe tanto para uma maior precisão na escrita como para o prazer da variedade criativa.)
5º Crítica. Onde quer que se encontre formas artísticas, estas existem juntamente com algum género de linguagem crítica avaliativa ou apreciativa, simples ou, mais provavelmente, elaborada. Isto inclui o vocabulário técnico dos produtores de arte, o discurso público dos críticos profissionais, e a conversa avaliativa do público. A crítica profissional, inclusive a erudição académica aplicada às artes com fim avaliativo, é ela própria uma execução e está sujeita à avaliação pelo seu público mais vasto; os críticos criticam-se frequentemente uns aos outros. Há uma grande variação entre culturas e no interior destas, no que respeita à complexidade da crítica. Os antropólogos comentaram repetidamente o seu desenvolvimento rudimentar, ou o que parece a quase inexistência, em pequenas sociedades que não têm escrita, mesmo as que produzem arte complexa. É geralmente muito mais elaborado no discurso sobre arte da história europeia e da literatura oriental. (A crítica obviamente existe em muitas esferas da vida não estética, mas com a seguinte condição: o género de crítica análogo à crítica da arte aplica-se apenas a esforços em que aquilo que potencialmente se alcança é complexo e sem limites definidos. Em geral não se aplica a crítica a desempenhos na corrida de cem metros em velocidade: quem tem o melhor tempo vence, não importa quão deselegantemente. É só onde os próprios critérios de sucesso são complexos — na política ou na religião, por exemplo — que o discurso crítico se torna estruturalmente semelhante à crítica de arte.)
6º Representação. Em graus de naturalismo amplamente variáveis, os objectos artísticos, incluindo esculturas, pinturas, e narrativas orais e escritas, e por vezes mesmo a música, representam ou imitam experiências reais e imaginárias do mundo. Como observou originalmente Aristóteles, os seres humanos têm um prazer irredutível na representação: uma pintura realista das dobras num vestido de cetim vermelho, um modelo detalhado de uma máquina a vapor, ou os minúsculos pratos, prataria, taças, e tartes de cereja com crosta cruzada sobre a mesa da sala de jantar de uma casa de bonecas. Contudo, podemos também apreciar a representação por duas outras razões: pode dar-nos prazer o quanto uma representação foi bem conseguida, e pode dar-nos prazer o objecto ou situação representada, como uma bela paisagem figurada num calendário. A primeira tem mais a ver com a aptidão do que com a representação em si; a segunda é redutível ao prazer que se tem no objecto, mais do que na representação em si. O deleite na imitação e representação em qualquer meio, inclusive palavras, pode envolver o impacto combinado de todos os três prazeres. (Desenhos técnicos, ilustrações de jornal, fotografias de passaporte e mapas rodoviários são igualmente imitações ou representações. A importância da representação estende-se a todas as áreas da vida.)
7º Enfoque “especial”. As obras de arte e as execuções artísticas tendem a ser destacadas da vida quotidiana, tornando-se um enfoque da experiência separado e dramático. Em todas as culturas conhecidas, a arte envolve aquilo a que Ellen Dissanayake chama “tornar especial”.5 Um palco com cortinas douradas, um plinto, luzes de palco, molduras de fotografia ornamentadas, expositores iluminados, sobrecapas e tipografia, aspectos cerimoniais de concertos e peças públicos, as roupas caras que um dado público usa, a gravata preta do intérprete, a presença do Czar no seu camarote real, inclusive o preço elevado dos bilhetes: estes e inúmeros outros factores podem contribuir para um sentido de que a obra de arte, ou evento artístico, é um objecto de atenção singular, a ser apreciado como algo exterior ao curso mundano da experiência e actividade. O enquadramento e a apresentação, contudo, não são os únicos factores que produzem um sentido do especial: está na natureza da própria arte exigir uma atenção particular. Embora algumas obras de valor artístico — por exemplo, papel de parede ou música — possam ser usadas como pano de fundo, todas as culturas conhecem e apreciam arte especial, “enfatizada”. (Também se encontra o enfoque especial e um sentido do momentoso nos rituais religiosos, na pompa das cerimónias reais, nos discursos e comícios políticos, na publicidade e nos eventos desportivos. Qualquer episódio isolável, artístico ou não, do qual se pode afirmar que tem um elemento “teatral” reconhecível partilha algo em comum, contudo, com quase toda a arte. Isto aplicar-se-ia a experiências tão díspares como tomadas de posse presidenciais, finais de campeonatos, viagens na montanha-russa.)
8º Individualidade expressiva. O potencial para exprimir a personalidade individual encontra-se em geral latente nas práticas artísticas, independentemente de ser ou não plenamente conseguido. Quando uma actividade produtiva tem um resultado definido, como na contabilidade ou na reparação de dentes, não há grande oportunidade para a expressão individual nem tal é exigido. Quando aquilo que conta como consecução numa actividade produtiva é vago e sem limites definidos, como nas artes, a exigência de individualidade expressiva parece surgir inevitavelmente. Mesmo em culturas que produzem aquilo que aos não autóctones podem parecer artes menos personalizadas, a individualidade, por contraste com a execução competente, pode ser foco de atenção e avaliação. A afirmação de que a individualidade artística é uma construção ocidental que não se encontra em culturas não ocidentais e tribais foi amplamente aceite e é seguramente falsa. Na Nova Guiné, por exemplo, os entalhes tradicionais não eram assinados. Isto dificilmente surpreende numa cultura de pequenas povoações, sem escrita, em que as interacções sociais se fazem em grande medida cara-a-cara: todos sabem quem são os entalhadores mais estimados e talentosos e reconhecem as suas obras sem marcas de autoria. O talento individual e a personalidade expressiva são respeitados na Nova Guiné, como em toda a parte. (Qualquer actividade comum com uma componente criativa — o discurso quotidiano, o estilo de conferenciar, a hospitalidade caseira, preparar o boletim informativo da empresa — abre a possibilidade da individualidade expressiva. O interesse geral pela individualidade na vida quotidiana parece ter menos a ver com a contemplação da expressão do que com o conhecimento da qualidade mental que produziu a expressão.)
9º Saturação emocional. Em graus variáveis, a experiência das obras de arte está permeada de emoção. A emoção na arte divide-se grosso modo em dois géneros, fundidos (ou confundidos) na experiência mas analiticamente distintos. Primeiro estão as emoções provocadas ou incitadas pelo conteúdo representado da arte — o pathos da cena representada numa pintura, uma sequência cómica numa peça, uma visão de morte num poema. Estas são emoções normais da vida, e como tal são objecto de investigação psicológica transcultural fora da estética (uma taxonomia presentemente em uso na psicologia empírica nomeia sete tipos genéricos de emoção: medo, alegria, tristeza, ira, repugnância, desprezo e surpresa).6 Há um segundo sentido alternativo, contudo, em que se encontra as emoções na arte: as obras de arte podem ser permeadas por um aroma ou tom emocional distinto que difere das emoções causadas pelo conteúdo representado. Este segundo género de emoção corporizada ou expressa está ligado ao primeiro mas não é necessariamente regido por este. É o tom emocional que podemos sentir numa história de Tolstoi ou numa sinfonia de Brahms. Não é genérica, não é um tipo de emoção, mas normalmente descrita como exclusiva da obra — o contorno emocional da obra, a sua perspectiva emocional, para citar duas metáforas comuns. (Muitas experiências de vida comuns, não artísticas — apaixonar-se, observar uma criança dar os primeiros passos, assistir a um funeral, ver um atleta quebrar um recorde mundial, remar com um amigo íntimo, observar a grandiosidade da natureza — também estão imbuídas de emoção.)
10º Desafio intelectual. As obras de arte tendem a ser concebidas para utilizar uma diversidade combinada de aptidões perceptivas e intelectuais humanas em larga escala; na verdade, as melhores obras levam-nas para lá dos limites comuns. O pleno exercício das aptidões mentais é em si uma fonte de prazer estético. Isto inclui debater-se com um enredo complexo, reunir indícios para reconhecer um problema ou solução antes que um personagem na história os reconheça, equilibrando e combinando elementos ilustrativos e formais numa pintura complexa, seguir as transformações de uma melodia inicial recapitulada no fim da peça musical. O prazer de lidar com desafios intelectuais é mais óbvio na arte imensamente complexa, como na experiência de Guerra e Paz, de Leão Tolstoi, ou o Anel, de Wagner. Mas mesmo obras que são simples num nível, como os readymades de Duchamp, podem recusar uma explicação simples e dar prazer seguindo-se as suas complexas dimensões históricas ou interpretativas. (Palavras cruzadas, jogos como o xadrez ou o Trivial Pursuit, cozinhar a partir de receitas complicadas, reparações caseiras, concursos televisivos de pergunta e resposta, videojogos, ou mesmo calcular reembolsos fiscais, podem proporcionar desafios de exercício e proficiência que resultam em prazer.)
11º Tradições e instituições artísticas. Os objectos e execuções, tanto nas culturas orais de pequena dimensão como nas civilizações que têm escrita, são criadas e até certo ponto tornam-se importantes pelo seu lugar na história e tradições da sua arte. Como argumentou Jerrold Levinson, as obras de arte adquirem a sua identidade ao instanciarem modos historicamente reconhecidos de ser arte — a obra situa-se numa sequência de predecessores históricos.7 Sobrepondo-se a esta noção estão perspectivas anteriores, defendidas por Arthur Danto, Terry Diffey, e George Dickie, a favor da ideia de que as obras de arte ganham significado ao serem produzidas num mundo da arte, naquilo que essencialmente são instituições artísticas socialmente construídas. Os defensores de uma teoria institucional tendem a concentrar-se em readymades e arte conceptual porque o interesse de tais obras é quase esgotado pela sua importância na situação histórica da sua produção.8 Essas obras contrastam com obras canónicas como a nona sinfonia de Beethoven, que apesar de aberta a uma ampla análise histórica e institucional, consegue atrair a si um enorme e entusiástico público de ouvintes que pouco ou nada sabem do seu contexto institucional. Por outro lado, é argumentável que mesmo uma apreciação mínima da Fonte, de Duchamp, exige algum conhecimento da história da arte, ou pelo menos do contexto artístico contemporâneo. (Praticamente todas as actividades sociais organizadas — medicina, guerra, educação, política, tecnologias, e ciências — são erigidas contra um pano de fundo de tradições históricas e institucionais, costumes e exigências. A teoria institucional, tal como é defendida na estética moderna, pode ser aplicada a qualquer actividade humana.)
12º Experiência imaginativa. Por fim, e talvez seja a mais importante de todas as características nesta lista, os objectos de arte proporcionam essencialmente uma experiência imaginativa tanto para os que os produzem como para o público. Um entalhe em mármore pode representar realistamente um animal, mas uma obra de arte estatuária, torna-se um objecto imaginativo. O mesmo se pode afirmar de qualquer história bem narrada, seja uma história mitológica ou pessoal. A dança com trajes junto à luz da fogueira, com a sua profunda unidade de propósito entre os dançarinos, tem um elemento imaginativo bastante arredado do exercício colectivo dos operários fabris. Isto é o que Kant queria dizer ao insistir que uma obra de arte é uma “apresentação” que se oferece a uma imaginação que a aprecia independentemente da existência de um objecto representado: para Kant, as obras de arte são objectos imaginativos sujeitos à contemplação desinteressada. Deste modo, toda a arte ocorre num mundo de faz-de-conta. Isto aplica-se tanto às artes abstractas, não imitativas, como às artes representacionais. A experiência artística tem lugar no teatro da imaginação. (A nível mundano, a imaginação a resolver problemas, fazer planos, formular hipóteses, inferir os estados mentais de outros, ou no mero sonhar acordado é praticamente co-extensional com a vida consciente humana normal. Tentar compreender como era a vida na antiga Roma é um acto imaginativo, mas também o é relembrar que deixei as chaves do carro na cozinha. Todavia, a experiência da arte é notavelmente marcada pela maneira como separa a imaginação das preocupações práticas, libertando-a, como afirmou Kant, das restrições da lógica e da compreensão racional.)
Há um ano